À medida que se libera de sua programação Parental e do Script, sua criança torna-se cada vez mais livre. Num certo momento, com o auxílio do terapeuta e do seu próprio adulto, ele será capaz de romper com seu script inteiramente, encenando o seu próprio espetáculo, com novos personagens, novos papéis, novo enredo e novo desfecho. Tal cura do script que altera seu caráter e seu destino, é também uma cura clínica, pois a maioria dos sintomas serão aliviados por sua liberação. Qual o seu roteiro de vida? Qual a sua história predileta ou a que mais lhe impressionou até os seus sete anos? Escolha apenas uma. Pode ser uma canção, conto de fadas, etc. E nos últimos 2 anos, qual o filme, ou romance, poema, conto, música, ópera, etc., predileto ou que mais lhe marcou? Novamente, escolha apenas uma, porque ela vai te ajudar a trazer algo à luz. Consegue encontrar alguma semelhança entre o enredo da primeira narrativa com o da segunda? Antes de seguir a leitura no próximo parágrafo, sugiro que, com paciência, você encontre estes dois roteiros. Compare-os. Há algo de parecido nestas duas histórias? Com qual dos personagens se identifica?
Pesquise se quiser o que interpretaram sobre eles e veja se há alguma relação com uma situação de sua vida e história familiar dos seus pais, irmãos dos pais, avós ou bisavós maternos e paternos. Este processo revela para quem olhamos, com quem estamos identificados, com qual destino estamos entrelaçados sem saber, nos dando opção de reformulá-lo. Como? Olhando com carinho para o enredo e incluindo a todos. Observe também em seu entorno os diversos roteiros representados: algum é parecido com Jonas, Orfeu, Dionísio, com Ofélia de Hamlet, a Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Orestes ou os escafandros sedentos de amor de Chico Buarque? Este exercício ajuda a revelar os scripts (roteiros) encenados por nós apontando destinos em ressonância com histórias familiares, muitas vezes desconhecidas.
É verdade que Bert e Sophie Hellinger já foram além dos roteiros nas constelações das famílias, nos apresentando soluções e posturas de humildade diante de um Campo Maior, mas ainda assim os scripts revelam situações, descortinando enredos e soluções durante a observação do Movimento do Amor numa Constelação. Isto é, para onde nos movemos motivados pelo “amor cego” ou pelo “amor que enxerga” reproduzindo destinos de antepassados sem nem saber. O amor cego é aquele que não olha nos olhos daquele que segue e assim repete o mesmo destino, recriando a mesma sina para incluir quem não é visto. “Olhem para esta pessoa que viveu o que vivo agora! ”. Esta atitude gera mais dor no sistema. O amor que enxerga, olha nos olhos e por isso é incapaz de repetir o enredo, porque não quer colocar mais uma pedra em cima da dor do seu parente esquecido. Basta imaginar aquele que é seguido vendo algum descendente recriar a sua dor. Como ele/a se sentirá, honrado ou como a causa da repetição do sofrimento? O que traz paz a ele/a, a repetição da sua “tragédia” ou novos destinos e soluções?
Quantos finais um mesmo roteiro pode ter? Não é melhor criar sua vida sem roteiro pré-definidos? Qual a melhor saída para você? Como ser autor de seu próprio roteiro de vida? Há quem trabalhe com scripts e mitos e, por meio deles, escreve soluções surpreendentes com destinos mais felizes. Segundo Hellinger a tendência nos movimentos da vida é o crescimento da felicidade e a finalização da infelicidade. Quando se vai a uma constelação familiar, mesmo que não se constele um tema pessoal (sempre constelamos se estivermos no processo como observador, participante, pois não há diferença alguma), nosso próprio roteiro é revelado de alguma maneira nas dinâmicas familiares que vêm à luz, pelos sentimentos que sentimos, assim como um movimento em direção à felicidade começa a acontecer conscientemente. Por isso, com relação ao trabalho com roteiros, Hellinger é literal, ou seja, ao pegar o enunciado de um conto, por exemplo, o “O Lobo e os 7 cabritinhos” a mãe diz: “não deixem seu pai entrar”. O Lobo representa um pai ou avô, ou bisavô excluído pela mãe e os cabritinhos representam os seus filhos. Seja lá qual foi a razão da expulsão, veremos mais tarde, nas futuras gerações o desdobramento desta ação com uma neta ou bisneta casando com um “Lobo” igual ao pai, avô ou bisavô excluído para incluí-lo no sistema. Pode ser que ela também represente a mãe, avó ou bisavó, expulsando o próprio pai de casa, ou ela estará identificada com o sofrimento de um dos “cabritinhos” ao ter expulsado o próprio pai, a mando da mãe, por mais que houvesse justificativa para o ato. Não estamos interessados em julgar o pai, a mãe, as crianças, a expulsão ou os atos que levaram a tal dinâmica, mas em ver a repetição do roteiro e como isto afeta a pessoa, porque muitas emoções ficam no “ar” por séculos esperando ser vividas. Aí está o roteiro montado e o adubo (emoções) ideal para escalar os atores para um determinado destino. Mas há vários desdobramentos destas identificações quando fazemos a Constelação. De qualquer maneira, não é o enredo o foco das dinâmicas. O importante do que se está falando aqui é que vivemos histórias com destinos premeditados se não conhecemos os emaranhamentos onde ficamos presos.
No conto “A bela adormecida” é constelado o roteiro da “mulher abandonada”: a 13ª fada não é convidada à festa de casamento do Rei. Mais tarde, a filha do Soberano ao chegar na puberdade – idade das iniciações nos relacionamentos amorosos – é “abatida” por um sono eterno. A fada excluída representa um/a (ou vários/as) parceiro/a da mãe ou do pai que sofreu muito com a separação e não foi reconhecido/a ou honrado/a, fazendo com que tivesse perdido sua vida já que não tem valor, como a bela adormecida. Mais tarde, alguém do sistema do pai ou da mãe que abandonou ou foi abandonada por este parceiro pode reviver este mesmo destino e ser largada sucessivamente, sem perspectivas de refazer a sua vida amorosa. Já em a “Pequena Sereia” o roteiro é do “amor não correspondido”. A “Gata Borralheira” representa alguém que “trabalha duro sem direito a prazer” – como muitas mães de hoje em dia -, ou a pessoa que escolhe este conto está identificada com umas das irmãs da Cinderela que têm destinos difíceis. Em “João Felizardo” um homem perde tudo e em “Um Alfaiate Corajoso” há um charlatão. No conto “João meu pé de Feijão” um homem entrega seus bens por uma bagatela. É claro que as interpretações não são tão determinantes assim. Estas informações surgiam nas falas ou posturas corporais durante as constelações e variavam. O importante é a solução, já que nunca procuramos o problema, mas a saída. Por isso, às vezes, nem entendemos o que aconteceu, mas algo se move para felicidade e mudanças surpreendentes acontecem.
A Bela Adormecida, aquelas que não sentem nenhum interesse neste mundo cheio de contradições e sem perfeição. Esta pessoa vive na Lua de mundos distantes, vislumbrando o invisível, sonhando acordada, como se quisesse morrer aos pouquinhos e reencontrar um grande amor. São pessoas que a gente chega e diz oi, e ela não nos reconhece porque o mundo real não tem o apelo do além – ou da pessoa que não está mais lá. O conto da Pequena Sereia, o enredo desemboca em um amor não correspondido. Então a Sereia não quer realmente encontrar uma relação amorosa porque esta gera muita angústia. Ela está perdida. No conto, ela briga com o pai, larga a sua vida no mar para virar humana e doa sua bela voz para uma feiticeira em troca da transformação da sua cauda em duas pernas. Com isso, ela almeja entregar seu amor ao jovem que salvara do naufrágio. Imagina a dor envolvida neste processo de perder suas origens, a sua voz e enfrentar o medo da sexualidade para poder ter uma relação.
Como ficou muda, não consegue dizer ao seu amado o que se passa em seu coração (como se a voz fosse o único recurso para conseguir se expressar). Apesar do amor não precisar de palavras para se manifestar, a garganta e o ventre são dois centros que se fecham quando se tem medo da entrega. Conversas, inclusive, podem encobrir a verdade. A famosa DR (discutir a relação sistematicamente) pode matar um grande amor, como não falar nada, também. Se alguém está identificado com o enredo do conto “A Sereia” inconscientemente, atrai pessoas que não correspondam ao seu amor. No entanto, se for buscar na família, encontrará alguém que teve o mesmo destino de “amor não correspondido”, e que talvez esteja ainda identificada. A saída? Em uma constelação ela surge, não é padronizada, mas olhar para quem perdeu este amor por ajudar: “agora vejo o teu imenso amor, ele tem um lugar”.
Bem, a Branca de Neve e os Sete Anões, sem o pai e a mãe para protegê-la, acaba cooptada junto com seus amigos muito longe da família. Pessoas identificadas com a Branca de Neve vão morar muito longe da família. São excluídas e desprezadas no seio familiar. Mas, o importante é entender que não precisa sofrer tanto na passagem de proteção (família) para a floresta (mundo lá fora) e reintegrar os excluídos. Ela está profundamente identificada com uma mulher excluída pela família. Para cada caso uma saída que não pode ser padronizada, mas entre elas sempre tem o olhar para quem foi excluído/a, com quem se cria a identificação, reconhecê-lo/a, aceitá-lo/a e a sua história. Deixar com ele/a seu destino, com amor, humildade e gratidão. Olhar para frente e deixar o passado fazer o seu milagre, porque “liberados somos concluídos” (Hellinger).
Bert Hellinger em Bad Reichenhall 2012 – Alemanha