Existe na alma uma profunda necessidade de livrar-se da culpa. Uma necessidade muito profunda. Muitos problemas surgem quando pensamos que seria possível nos esquivarmos à culpa. Mas isso não é possível. Começa com algo bem simples, por exemplo, reconhecendo que se vive à custa de outros. Pensem sobre o que nossos pais fizeram por nós, começando com a gravidez da mãe, o nascimento e os riscos que assumiu, nesse cuidado e preocupação anos a fio, não é fácil encarar e ver o que isso tudo significa para cada um de nós. Então, alguns se esquivam da culpa, aqui, no sentido de transformar a culpa em obrigação do outro e se tornam duros perante os pais. Fazem reivindicações e talvez se sintam grandes e superiores. Isso tudo é defesa contra essa culpa.
Outro ponto é que vivemos à custa de outros e, aliás, só podemos viver desse modo. E também precisamos saber que outros vivem à nossa custa de várias maneiras e que também estamos enredados aí, em seus emaranhamentos e, ainda, que se exige de nós que soframos por algo pelo qual, no fundo, não somos culpados. Isto é, que soframos por algo que os outros nos infligiram, e estes se tornam culpados em relação a nós. Entretanto, quando temos isso em vista e tudo aquilo que vem ao nosso encontro – o de estarmos emaranhados nessa alternância de culpa e inocência, de dar e receber, de ser exigido – então podemos nos submeter a isso da maneira que der e vier.
Bert Hellinger, “A fonte não precisa perguntar o caminho”, Editora Atman, pg 140
Somos levados a acreditar que existe o mal e o bem, quando na verdade, mal e bem são a mesma coisa, aos olhos sistêmicos. Se você, que está lendo agora estas linhas, lembrar de um fato ruim da sua vida, poderá ver inúmeros aspectos positivos deste fato: ele fez você se mexer. Ele lhe tirou da zona de conforto. Ele lhe deu maturidade emocional. Ele lhe desafiou e você descobriu talentos adormecidos. O fato ruim despertou sua fé… enfim, não é difícil ver que o ruim é bom em inúmeras situações, assim como o bom é ruim em inúmeras outras situações.
Você é empurrado por duas forças antagônicas que regem suas relações familiares e afetivas: a necessidade de dar e receber e o sentimento de culpa e inocência. Não há como fugir disso. Devido ao nosso condicionamento, e de acordo com a leitura emocional que fazemos da nossa vida, buscamos mais dar ou mais receber. Sentimo-nos mais culpados ou inocentes. Porém, aí temos a grande chance de se libertar do peso: aceitar, compreender até o fundo da alma, que somos, neste mundo, culpados e inocentes ao mesmo tempo. Não dá para ser uma coisa ou outra, somente. E damos e recebemos, sempre. E se desequilibrar isso, quer dizer, por sentir emocionalmente que você é carente de amor, dinheiro, afeto, contato, emoções, saúde, etc., querer receber somente, estará trazendo o sofrimento para si. Quer dizer, terá a tendência de cobrar do mundo, dos pais, do marido ou esposa, dos filhos, do governo, etc, que eles deem o que você sente falta. Ilusoriamente, esta sensação de carência será realçada. É fundamental trabalhar este sentimento de carência. O contrário é igualmente doloroso: querer somente dar, e recusar-se a receber. A pessoa que sente que tem muito para dar e nada para receber, no fundo, está tocando a mesma música: a música da carência interior e da separação com o todo. É também importante trabalhar as causas emocionais desta distorção.
Vamos falar mais um pouco mais sobre o sentimento de culpa. Você já reparou o quanto faz na sua vida baseado na sensação de que está devendo algo? E realmente estamos, todos nós, devendo: temos uma vida absolutamente perfeita, qualidades e dons não manifestados, que devem ser colocados a serviço de algo maior. E sabemos disso. Por isso, você sente a necessidade de fazer, mas por mais que faça, sempre é possível fazer mais e melhor – esta é a cobrança interior. E isto dá a sensação de culpa. Eu poderia ser melhor. Eu poderia fazer melhor. Ledo engano. Você não pode ser melhor do que já é. Você não pode fazer mais do que faz. Na realidade, você não faz nada. O universo toca a sua canção através de você. A sensação de incômodo geralmente ocorre porque achamos que nós estamos fazendo algo. Fazemos certo ou errado – auto engano, e existe um “eu” nesta história – outro engano. Achamos que existe este “eu” individual, separado do todo. E assim vem a culpa. E aí, ao sentir-me culpado, automaticamente buscamos no mundo outras pessoas “culpadas”. Apontamos nosso canhão para aqueles mais próximos. Papai e mamãe. E depois marido e esposa. E filhos.
Bem, só posso dizer que a sensação de culpa e inocência é inerente ao nosso tipo de consciência centrada no ego. Não há como fugir disso, e não devemos fugir disso. Esta força da culpa e inocência nos conduz, provocam reações. Fazemos algo pelo outro porque, no fundo, há uma culpa. Tenho que dar isso. Tenho que ir lá. Tenho que abraçá-lo. Tenho que ouvir. Tenho que ser bom… E quando fazemos o que a nossa “culpa” determinou, vem a sensação da inocência. Ufa! Estou me sentindo ótimo! Nossa, como foi bom ter confortado ele! Ai, que alívio…
A culpa e inocência nos move. Também sei que essa sensação de culpa causa um profundo incômodo. E só há uma maneira de aliviar esse incômodo: aceitar a própria culpa. Observá-la. Ir fundo. Meditar sobre a sensação de culpado.Trabalhar-se terapeuticamente. Evite a tentação de sair consertando “as suas culpas”. Não há como consertar. Não existe nada a ser feito. É importante aprender a manipular a energia da culpa e o alívio da inocência. E isso você faz consigo mesmo. Com profundo autoconhecimento. Analisando detalhadamente suas emoções. Até chegar o momento em que você despertará para a verdade de que não é somente esta consciência egóica, baseada na culpa ou inocência. Entrará em contato com uma consciência maior, onde sentirá estas emoções que provocam e empurram todos nós como simples jogos. E não se identificará mais com estas emoções. Verá este jogo divino, que obedece uma lógica maior e funciona baseado no amor. O amor profundo, onde não existem culpados ou inocentes. Existe somente amor.
Alex Possato