O êxito da relação conjugal entre o homem e a mulher é talvez nosso desejo mais profundo, e seu fracasso traz uma profunda dor. Quando procuramos soluções para conflitos na relação do casal, a possibilidade de ajuda – no pressuposto de que existe amor – consiste em compensar um desequilíbrio na relação. Pertence à ordem básica na relação entre o homem e a mulher que ambos deem e recebam e que haja um equilíbrio nessa relação, pressupondo-se que ambos são diferentes e que têm necessidade de se complementarem na sexualidade e na transmissão e proteção da vida. As declarações de Bert Hellinger sobre este tema têm sido alvo de muitas críticas. Não obstante, em minha experiência, elas têm mostrado muita importância prática para a solução de conflitos entre casais.
A relação entre o homem e a mulher nutre-se de um constante fluxo no intercâmbio de dar e tomar10. Quem dá pode reivindicar o direito de receber, e quem recebe também se obriga a dar. Quem recebe mais do que dá permanece em dívida com o parceiro e fica numa posição inferior. Quando essa dívida cresce a ponto de inviabilizar uma adequada compensação, as censuras de quem recebe mais representam uma tentativa de deixar mal o doador, desmerecendo o que ele deu e negando com isso o desnível em seu intercâmbio. Às vezes, o parceiro que recebe mais do que ele quer ou pode dar termina por separar-se para fugir da compensação. Quando o desequilíbrio é causado pelo destino, por exemplo, em virtude de desemprego ou de invalidez, o reconhecimento do desequilíbrio e a gratidão podem diminuir o desnível resultante.
Quem dá mais do que toma e obstina-se em preservar essa situação, colocando-se numa posição superior e “melhor”, recusa ficar devendo e comprometido e, com isso, não pode ser compensado pelo parceiro. Pressionado, porém, pela insuficiência do que “toma”, ele frequentemente se torna depressivo e perde sua capacidade de dar. Quem dá em excesso talvez venha a separar-se, julgando-se, porém, o “melhor” e no direito de ficar ressentido e atribuindo a culpa ao parceiro. Por sua vez, o parceiro que não pode ou não quer receber tanto ficar zangado ou se separa. Quem quer dar muito na vida precisa de um parceiro capaz de corresponder-lhe e que também se disponha a dar muito.
O terapeuta tenta perceber o desequilíbrio e ajudar o casal a encontrar de novo um bom equilíbrio, que permita uma convivência ou uma boa separação. A grande utilidade das constelações nesse particular é que, com a ajuda dos representantes, elas reproduzem com muita precisão a dinâmica do casal, permitindo evitar discussões e encarar a situação em comum. Elas são confortadoras porque, trazendo à luz a ligação de destino que cada parceiro tem com sua família de origem, aliviam tanto quem dá demais quanto quem recebe demais, em relação a si mesmos e à sua mútua relação. Quando os parceiros podem ver que os conflitos não surgem por raiva, mas porque cada um está preso a um contexto maior, a partir do qual os dois se procuraram e precisam um do outro da forma como são, fica mais fácil encontrar soluções conciliatórias. Os domínios mais importantes para a troca entre o dar e o receber entre o homem e a mulher são a sexualidade, os filhos (ou o esforço comum em benefício das próximas gerações) e o provimento do sustento material. A maior parte dos conflitos de casais se origina em problemas nesses domínios. Um outro fator é a demanda insatisfeita – que realmente se dirige aos próprios pais – quando um parceiro cobra do outro o atendimento de necessidades que ele não pode satisfazer. Os fatores provenientes do passado que podem desestabilizar uma relação entre o homem e a mulher são geralmente acontecimentos e problemas não resolvidos das famílias de origem e as respectivas atitudes e padrões de comportamento, bem como, de um passado mais próximo, os golpes do destino e as decisões tomadas na história da relação conjugal: um aborto, um filho morto, acidentado ou deficiente, uma doença grave, desemprego, dívidas, filhos trazidos de outros relacionamentos, infidelidade e casos semelhantes.
Além do recíproco dar e receber pertence à ordem básica da relação do casal o equilíbrio em sua relação como homem e mulher. O vínculo entre o homem e a mulher nasce da realização amorosa da sexualidade e também, naturalmente, dos filhos comuns, onde a relação do casal se torna indissolúvel. No que toca à sexualidade, falta a cada parceiro algo decisivo que somente lhe poderá ser proporcionado pelo companheiro. No que toca à contribuição de cada um na transmissão da vida, existe um desequilíbrio de raízes profundas. A mulher, através de sua imediata proximidade com a criança durante a gravidez, o parto e a nutrição ao seio, tem uma proximidade à vida e à “terra” à qual o homem não pode contrapor algo de equivalente. Além disso, a mulher investe sua própria saúde e sua própria vida para que a criança venha ao mundo.
A realização correspondente por parte do homem consiste em proteger a mãe e os filhos, nutri-los, dar-lhes um lugar e desprender os filhos de sua estreita ligação à mãe. A questionada afirmação de Bert Hellinger: “A mulher deve seguir o homem (em sua família, em seu nome, em seu lugar de trabalho, em seu país…) e o homem deve servir o feminino” ressalta a necessidade desse equilíbrio na complementação. Atualmente muitas condições externas mudaram para as famílias. Com isso o homem já não parece tão “necessário” e as mulheres têm mais peso e influência nas famílias, pois ganham o próprio sustento e muitas vezes têm apenas um filho ou mesmo nenhum. Isto trouxe problemas para a relação entre o homem e a mulher.
A despeito das aparências, essa relação é afetada pela diminuição da importância dos homens, que já não têm condições ou vontade de prover a família e, por conseguinte, de “dirigi-la”. Pelo que pude perceber a partir de minhas observações e experiências com constelações em muitos países, a impotência e a inutilidade de muitos homens, que indiretamente afeta também as mulheres, são um fenômeno generalizado. Isso se mostra mais agudamente nos lugares onde a realização social e cultural dos homens entrou em colapso – por exemplo, entre os índios e os aborígenes – ou já não é respeitada pelas mulheres.
As constelações, devido à fina sensibilidade dos representantes com relação aos fatores de desequilíbrio, mostram o que falta e o que é necessário para que o homem e a mulher possam comparecer juntos e equiparados diante dos filhos. A diversidade entre o homem e a mulher e sua necessidade de se completarem para realizarem com vigor a relação conjugal e a relação parental são expressas na constelação pelo posicionamento do homem à direita da mulher. Em face dos problemas mencionados acima, não surpreende que os homens nem sempre assumam de bom grado lugar mais proeminente – embora no mesmo nível do outro – e frequentemente seja necessário sentirem atrás de si o pai ou mesmo uma fila de homens, para que preencham com vigor o seu lugar. As mulheres com frequência ficam contentes e aliviadas quando sentem à sua direita o homem, numa postura vigorosa. Não apenas somos determinados por nosso passado, mas também pelo que é possível e pelo que nos atrai no futuro. Não somente o “que é”, mas também o “que pode vir a ser” subordina-se, de muitas maneiras, a forças ordenadoras que não dependem de nosso livre arbítrio.